Rochelle Jelinek
- Promotora de Justiça/RS, cursou Mestrado e Doutorado em Direito pela PUC/RS,
e Negotiation and Leadreship na Harvard Law School,Harvard University, USA.
@negociacao_juridica
PRECISAMOS DEIXAR DE LADO OS PROCESSOS DE CAIO, TITO E MÉVIO
A negociação ocorre em todos os aspectos da vida. O conflito sempre existiu, e cada vez mais ocasiões exigem negociação. É uma comunicação de mão dupla para se chegar a um acordo quando as partes têm interesses em comum, ou mesmo interesses divergentes. Mas embora as negociações aconteçam todos os dias – nas empresas, instituições, na família, em relacionamentos –, as pessoas em geral só conhecem duas formas de negociar: ser muito gentil ou ser muito firme. E com frequência não chegam a um acordo.
No meio jurídico, todos foram ensinados a pensar e a agir num mundo adversarial, belicoso e pouco colaborativo. E, na prática, têm poucos resultados satisfativos. E continua assim, tanto nos órgãos públicos quanto na advocacia privada. Embora alguns setores jurídicos falem em solução consensual de conflitos, parecem estar num monólogo, falando para eles próprios e tentando convencer aos outros de que sua posição está certa. As partes de um conflito normalmente pensam que estão certas (e o outro lado está errado) porque elas literalmente não conseguem sair das próprias cabeças.
No mundo de hoje, simplesmente impor ordens não resulta solução para os conflitos e problemas. A horizontalidade é fundamental e a consensualidade traz ínsita maior possibilidade de cumprimento do que for acordado. Existem formas cooperativas de resolver as diferenças e chegar-se a acordos sensatos que sejam melhores para todos os envolvidos. Quando as partes deixam a postura de confronto destrutivo para trabalhar em conjunto em cooperação colaborativa, a fim de satisfazer ambos os lados, surgem os resultados.
Nos Estados Unidos, os programas de negociação - que existem desde aproximadamente os anos 30 – são festejados e copiados no mundo inteiro como exemplos de sucesso na solução consensual de conflitos.
No Brasil, a Justiça negociada ainda é incipiente. Mas não é mais possível falar em processos entre Caio, Tício e Mévio. Essa é uma divertida curiosidade que muitos alunos dos cursos de Direito questionam por que todos os doutrinadores de Direito utilizam em seus exemplos os nomes Caio, Tício e Mévio. Estes caras estão envolvidos nos maiores ilícitos do Brasil, não há um artigo do Código Penal em que eles não foram enquadrados ou em negociatas e problemas de todo tipo (desde contratos descumpridos a divórcios complicados), até exemplos surreais que permeiam as mentes férteis e frenéticas dos doutrinadores jurídicos e dos examinadores de concursos e dos exames de ordem. Esse é realmente um trio do mal. Mas por que justamente Caio, Tito, e Mévio? Não poderiam ser Fulano, Sicrano, Beltrano? A explicação é simples: esses nomes em italiano são usados desde os tempos do Direito Romano. E nossos doutrinadores não evoluem, as instituições não evoluem, nossos processos judiciais jurássicos e intermináveis mantêm os nomes romanos.
A nova realidade política, jurídica e social exige dos profissionais atualização multi e interdisciplinar, pois o mundo e a vida não são estanques. Não há divisão geográfica entre emoção e razão, e entre as diferentes áreas de conhecimento. E não basta só o estudo interdisciplinar dos vários ramos do Direito. Há que se buscar conhecimentos e práticas para os fatos da vida na Filosofia, na Psicologia, na Neurociência, na Administração, na Neurolinguística, na Tecnologia, no Marketing, para novas alternativas e soluções. As pesquisas empreendidas em outras áreas sobre os efeitos da dinâmica das negociações nos resultados mostram novas luzes.
Depois de anos de prática forense em embates de conhecimento e embates de emoções, acredita-se que é preciso separar as pessoas dos problemas, negociar mesmo discordando, e cooperar construtivamente para chegar a soluções. Mudanças de postura são importantes para atualizar o conhecimento, o pensamento, e o resultado da atuação. Mudanças geram descobertas. E novas descobertas geram mudanças. O Direito muda, a sociedade muda, os pensamentos mudam. Quem não muda não evolui.